5 de ago. de 2010

Brincadeira não tem sexo

Brincadeira não tem sexo

Meninos e meninas podem - e devem - brincar do que tiverem vontade

Malu Echeverria

Colaborar na criação de bibliotecas infantis na Amazônia. Trocar experiências com as comunidades locais. Levar livros, mensagens e fotos das crianças de São Paulo para as de lá. Trazer as respostas - e mais fotos - para os alunos paulistas. A proposta era tentadora. E Renata Americano, coordenadora da Escola Viva, um renomado colégio de São Paulo, nem pensou em recusar. O convite veio do pessoal da Expedição Vaga Lume, entidade que encara a difícil tarefa de implantar bibliotecas nas comunidades rurais da Amazônia. Aqui ela conta as descobertas dessa grande aventura


Tainá, 7 anos,pratica futebol numa escola de esportes para meninos. Embora seja a única menina da turma, nunca foi discriminada pelos colegas
Mãe, me dá um carrinho de aniversário?”, perguntou Manuela, de 3 anos. “Claro, filha. Você quer dizer um carrinho para levar as bonecas?”, ironizou a mãe, a secretária Fernanda Mendes Messias. M “

Fernanda, assim como muitos pais, tem receio de que a filha, que adora carrinhos e espadas, seja influenciada pelas brincadeiras pouco adequadas ao seu sexo. “Temo que ela fique muito moleca”, admite. Pais de meninos são ainda mais zelosos. “Eles perguntam se é normal o filho gostar de bonecas. Alguns até proíbem as brincadeiras”, afirma a psicóloga Evani Pecci Costa, diretora da Brinquedoteca Apoio Total, em São Paulo. A dúvida dos pais, em geral, está relacionada à orientação sexual das crianças no futuro. Será que meu filho vai ficar afeminado se vestir a fantasia da Cinderela? E minha filha, fã de lutas marciais, será uma mulher abrutalhada? Vamos deixar claro desde o início: essas inquietações não têm fundamento algum.

“Não existe brincadeira de menino ou de menina. A diferenciação é apenas cultural. Essa separação não se observa, por exemplo, em algumas tribos indígenas. O brincar não exerce influência sobre a opção sexual simplesmente porque, para as crianças, não tem essa conotação”, explica o sexólogo Marcos Ribeiro, autor de diversos livros sobre sexualidade infantil, como Menino Brinca de Boneca? (Editora Salamandra). Esse foi o motivo que levou Fernanda a autorizar a avó a dar o tal carrinho para Manuela. No próximo aniversário, ela vai ganhar uma cegonha (não o pássaro, mas o caminhão),que escolheu numa loja de brinquedos, em meio a Barbies, Pollys e Susies. “Proibir não adianta. Só aumenta a curiosidade”, acredita a mãe. Ela está certa.

Velhos tempos
A diferenciação nas brincadeiras, dividindo meninos e meninas em grupos distintos, está relacionada a normas sociais que têm origem na desigualdade entre os sexos. “As brincadeiras de menino, em geral, envolvem atividades ao ar livre, como bicicleta, pipa ou skate. As meninas brincam de casinha. Isso é comum porque, antigamente, era papel do homem sair de casa para trabalhar, enquanto às mulheres, cabiam os cuidados com o lar”, constata a pedagoga Maria Angela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura, Estudos e Pesquisas do Brincar da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Acontece que os papéis sociais mudaram. Hoje, as mulheres também trabalham fora. Os homens, por sua vez, participam dos afazeres domésticos e dos cuidados com os filhos. “Ao limitarem as brincadeiras das crianças, os pais reproduzem um modelo que não existe mais”, completa o sexólogo Marcos Ribeiro.

As transformações sociais são percebidas nas brincadeiras simbólicas, aquelas em que as crianças imitam os adultos. Gustavo, de 6 anos, adora brincar de casinha. Quando era menor, ganhou uma boneca dos pais. “Como ele costumava ser agressivo com crianças menores, talvez por ciúme, queríamos ensiná-lo a cuidar de um bebê de mentira. Deu certo”, relembra a mãe, a recepcionista Eunice Araújo Lima, que também é mãe de Heitor, de 8 anos, e Lucas, de 3 anos. A própria Eunice, quando criança, brincava de carrinho e de bolinha de gude com os meninos da vizinhança. Ela e o marido, que dividem os cuidados com os filhos, não vêem problemas na inversão de brinquedos.


Manuela, 3 anos, adora carrinhos e espadas.A mãe, Fernanda Mendes Messias, gostaria que a filha fosse mais delicada, mas não proíbe as brincadeiras “de menino”
“No faz-de-conta, as crianças copiam os adultos ao redor. O menino que troca fralda da boneca, provavelmente, está imitando alguém da família”, afirma a educadora Maria Angela. Ela sugere que, antes de criticar, os pais observem as brincadeiras e os grupos em que as crianças estão inseridas. “Ao brincarem de casinha, os meninos representam papéis masculinos. São o pai, o médico, o motorista. Já nas brincadeiras em grupo, quando uma das crianças pertence ao sexo oposto, entra no ritmo da maioria apenas para não ficar de fora da diversão”, diz. Gustavo, por exemplo, adora a companhia das primas. Quando estão juntos, ora brincam de papai e mamãe, ora se divertem jogando bola. É por meio do “brincar de” que as crianças aprendem a lidar com os próprios sentimentos, buscando compreender o mundo, os valores e a identidade. Se os meninos que brincam de casinha serão maridos e pais participativos, é difícil afirmar. “A brincadeira, no entanto, pode ajudar ambos os sexos a elaborar seu papel social dentro da família”, conclui a pedagoga.
Fonte: http://revistacrescer.globo.com/Crescer/0,19125,EFC976671-2213,00.html ( acesso em 05/08/2010)

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